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Cultivo de macroalga rende biofertilizante

Cultivo de macroalga rende biofertilizante

Cultivo de macroalga rende biofertilizante


Estudo contribui para a implantação de fazendas marinhas e abre novas possibilidades econômicas para comunidades do litoral Norte de SP
 

Em pesquisa orientada pelo professor Jansle Vieira Rocha, do Laboratório de Geoprocessamento da Faculdade da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, a oceanógrafa Valéria Cress Gelli, do Núcleo Regional de Pesquisa do Litoral Norte do Instituto de Pesca da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, desenvolveu tese de doutorado que teve como objetivo contribuir para o cultivo ordenado e responsável da macroalga Kappaphycus alvarezii, com vistas à obtenção do seu extrato como biofertilizante agrícola no litoral Norte do Estado de São Paulo.

Esta alga, originária das Filipinas e introduzida no Brasil em 1995 a partir de mudas importadas do Japão, mostrou-se com grande potencial na maricultura (cultivo de organismos marinhos). Apesar de estudos comprovarem que a espécie não oferece perigos de proliferação invasiva, por questões de biossegurança e em razão dos conhecimentos da época, a legislação brasileira, através do Ibama,  restringiu seu cultivo a determinadas áreas do litoral do país, entre elas a faixa que se estende do litoral Norte de SP à baía de Sepetiba, no Estado do RJ.

O cultivo de algas é incentivado em todo o planeta não só pelos produtos naturais delas oriundos, em que se destacam as gelatinas – a exemplo da carragenana, utilizada para conferir cremosidade a alimentos e cosméticos –, biocombustíveis e biofertilizantes, mas também pelo fato de serem responsáveis por mais de 50% da produção de oxigênio atmosférico e do sequestro de gás carbônico (CO2), que no mercado de créditos de carbono é negociado hoje a dez dólares por tonelada. O trabalho dos pesquisadores teve como objetivos estudar a viabilidade técnica e econômica da produção de biofertilizante a partir do cultivo da macroalga Kappaphycus alvarezii, e seleção das áreas mais aptas para seu cultivo no litoral paulista. Para a pesquisadora, “o estudo se justifica face à diminuição dos estoques pesqueiros. A implantação dos cultivos de macroalgas (algicultura) pode ser uma alternativa para mitigar o problema, manter os pescadores em seu local de origem, gerar renda e emprego, além de propor novas formas de desenvolvimento sustentável e incentivar a implantação da atividade de forma planejada para as comunidades costeiras, cuja base econômica se assenta no turismo de sol e praia”.

Foto: Perri
A oceanógrafa Valéria Cress Gelli, autora do estudo

Dados da FAO (2019) indicaram que o cultivo desta alga constitui uma importante atividade econômica em mais de dez países. Em 2017, sua produção foi de 1,5 milhões de toneladas e representou 171 milhões de dólares. Em 2018, o Brasil importou cerca de duas toneladas da sua gelatina a um custo de 17,5 milhões de dólares.

A algicultura marinha tem grande capacidade de produção de biomassa em curto espaço de tempo e estudos mostram que esta macroalga cresce de 3,8% a 8,7% ao dia sem a utilização quaisquer nutrientes. As algas também absorvem nutrientes e metais pesados em locais poluídos, servem de abrigo a outros organismos marinhos, reduzem ações de ondas em zonas costeiras, retiram o gás carbônico da atmosfera, geram empregos, renda e negócios para as comunidades litorâneas. Constituem ainda fontes de hidrocolóides, bioativos, fertilizantes e biocombustíveis e podem ser utilizadas diretamente na alimentação humana e como ingrediente na ração animal.


O trabalho

A partir da hipótese de que essa extração seria uma atividade técnica e economicamente viável e que poderia ser desenvolvida de forma ordenada no litoral Norte paulista, o trabalho seguiu por três vertentes, explica o docente. A primeira deteve-se em avaliar as viabilidades econômica e técnica da algicultura para a obtenção do biofertilizante pelas comunidades pesqueiras, em módulos familiares de 0,2 hectares de lâmina de água, em sistema de balsas flutuantes e um plantio em redes tubulares (figura), de forma a que esse pequeno produtor tivesse uma alternativa econômica para enfrentar a entressafra da pesca e a carência cada vez maior de pescados.

Foto: Valeria Gelli
Balsa de cultivo e sistema de cultivo em redes da macroalga Kappaphycus alvarezii | Foto: Valeria Gelli

Foto: Valeria Gelli

Constatada essas viabilidades, o segundo enfoque concentrou-se na seleção de locais aptos à implantação da maricultura, realizada através das ferramentas da geotecnologia. Foram realizados estudos da série temporal da temperatura de superfície do mar de 10 anos com o sensor MODIS do satélite Terra, nos locais ao longo do litoral norte; de crescimento da macroalga associados aos fatores ambientais; e por fim aplicado método para hierarquização, através de entrevistas com pesquisadores da área para o mapeamento. Levaram-se em consta vários critérios como a legislação ambiental, áreas próximas à foz dos rios, áreas abrigadas e sem conflitos com as atividades pesqueiras e turísticas, temperatura de superfície do mar e profundidade.

Os estudos levaram à seleção e quantificação de aproximadamente 2.300 hectares de “áreas mais aptas” ao cultivo da macroalga, porém as áreas foram restritas à 1.300 hectares em função da legislação ambiental em decorrência de Instrução Normativa IBAMA de 2008.

Reprodução
Mapa da seleção de áreas aptas ao cultivo da macroalga Kapaphycus alvarezii no litoral Norte de São Paulo


Com a implantação das áreas ocupadas apenas com o cultivo da macroalga K. alvarezii foi possível estimar que a atividade geraria em torno de 7 mil empregos, uma receita bruta de R$ 64 milhões e ainda sequestraria 15 mil toneladas de CO2.


Produção do extrato

A macroalga é comumente cultivada para a extração da gelatina (carragenana), mas esse processamento requer altos investimentos em instalações e equipamentos, mão de obra qualificada, energia e grande consumo de água, condições impraticáveis para as comunidades locais. Por isso, explica Valéria, “optamos em incentivar a produção do extrato de forma artesanal, que envolve um processamento simples, de separação do suco e do bagaço, através de uma infraestrutura caseira (figura)”. A fração líquida pode ser engarrafada e vendida diretamente aos agricultores ou mesmo a indústrias de biofertilizantes que a utilizam como matéria-prima. Como já existem fornecedores desse extrato, a expectativa dos pesquisadores é que ele também possa ser comercializado pelo produtor através de cooperativas às empresas interessadas.

Reproduçao
A própria cozinha da família, provida dos equipamentos necessários, pode ser utilizada para extração do biofertilizante artesanal


O trabalho concentrou-se mais especificamente na produção do extrato dessa macroalga que serve como biofertilizante ou estimulante agrícola.  A eficiência do extrato, empregado em concentrações específicas e utilizado de modo foliar, é relatada em vários trabalhos científicos referentes ao cultivo de quiabo, soja, feijão verde, tomate, arroz, pimenta, amendoim, banana, milho e cana-de-açúcar. Nesta, por exemplo, o uso a 1% aumentou a produtividade em cerca de 25% em quatro colheitas

O extrato é considerado ambientalmente sustentável, biodegradável, não tóxico, nem poluente e não contamina os seres humanos e animais. Sua aplicação foliar promove a germinação mais rápida das sementes das plantas, aumenta o rendimento da colheita, melhoria qualidade das sementes, tem baixa emissão de carbono e é baixo custo.


Conclusões

A autora considera que o cultivo da macroalga Kappaphycus alvarezii constitui alternativa sustentável, técnica e economicamente viável. A implantação da algicultura pode ser incentivada de forma responsável e ordenada no litoral paulista junto às comunidades costeiras do Estado de São Paulo.

O trabalho possibilitou em uma primeira fase a identificação de 44 locais aptos à implantação da algicultura com base em diferentes restrições e fatores específicos para a espécie Kappaphycus alvarezii, contribuindo diretamente para projetos futuros em políticas públicas.

Face ao seu baixo custo e aos elementos integradores de natureza inovadora, a metodologia utilizada neste estudo poderá ser adotada para outras espécies cultivadas superficialmente. Valéria considera que o estudo pode trazer contribuições para o Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro de São Paulo, especialmente em relação ao Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro, assim como para o Plano Gestor da Apa Marinha do litoral Norte, visto que o potencial estimado pode ser representativo para a economia dos municípios de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela, além da possibilidade de ter sua aplicação estendida também para o litoral sul do estado do RJ e as costas de outros municípios brasileiros.  

 

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