Derrota de Angela Merkel e montadoras: contra carros poluentes, justiça alemã toma decisão que pode se espalhar pela Europa
Uma sentença expedida pela Justiça alemã nesta terça-feira permite que as cidades alemãs proíbam a circulação dos modelos mais poluentes de carros a diesel. A decisão pode servir de modelo para outros países europeus e forçar as montadoras a aprimorar seus sistemas de exaustão, ou então adotar veículos mais limpos.
A proibição, justo no local onde nasceram os automóveis modernos, representa um novo baque para a indústria, além de ser uma fonte de embaraço para o governo da Chanceler Angela Merkel, que foi muito criticado por sua relação de proximidade com a indústria automobilística e se posicionou contra a medida no passado.
A sentença recebeu elogios de ambientalistas, mas enfureceu os políticos da direita. Eles afirmam que milhões de motoristas foram literalmente expropriados de seus veículos, uma vez que não podem mais utilizá-los. Comerciantes e profissionais autônomos afirmam que a decisão pode prejudicar seus negócios.
Após observar que a decisão não afeta todos os motoristas alemães, Merkel declarou que o governo irá se reunir com representantes de governos regionais e municipais para discutir os procedimentos.
A decisão também pode ter implicações de maior alcance.
Paris, Madri, Cidade do México e Atenas planejam proibir a circulação de veículos a diesel em suas áreas centrais até 2025, ao passo que o prefeito de Copenhague pretende vetar a entrada de novos carros a diesel na cidade já no ano que vem.
As vendas de carros a diesel na Europa vêm caindo num ritmo rápido desde o escândalo da Volks. Na Alemanha, o temor de proibições teve um forte impacto negativo sobre a demanda no ano passado.
“Ar limpo”
A sentença foi expedida pela mais alta corte administrativa do país depois que alguns estados alemães recorreram contra as proibições impostas pelos tribunais de primeira instância de Stuttgart e Düsseldorf – fruto de ações movidas pelo grupo ambientalista Deutsche Umwelthilfe (DUH), Ação Ambientalista Alemã, apontando as más condições atmosféricas nas cidades.
“Hoje é um grande dia para a causa do ar limpo na Alemanha”, afirmou o diretor-administrativo da DUH, Juergen Resch.
“É a debacle das políticas da grande coalização, que tomou o partido da indústria automobilística”, acrescentou Resch, referindo-se à coalização de conservadores e socialdemocratas que governa o país, e que Merkel pretende renovar nas próximas semanas.
Na terça, a corte ordenou que as cidades de Stuttgart e Düsseldorf reformem seus planos antipoluição, afirmando que as proibições municipais podem ser implementadas mesmo sem a existência de regras nacionais nesse sentido.
Após o anúncio da sentença, as ações das montadoras alemãs Volkswagen, Daimler e BMW caíram 1,4%, 0,3% e 0,6% respectivamente.
O grupo DUH processou as municipalidades de Stuttgart e Düsseldorf, com o intuito de obrigá-las a implementar as proibições, depois que veio a público que 70 cidades alemãs excediam os limites de NOx fixados pela União Europeia. O grupo também está processando outras 20 cidades pelo mesmo motivo.
Atualização dos catalisadores
A sentença determina que Stuttgart – cidade de origem do motor de combustão interna e sede da Daimler, fabricante da Mercedes – considere a imposição gradual de uma proibição com vigência de um ano para todos os modelos a diesel mais antigos, além de modelos a gasolina ainda mais antigos.
No entanto, os carros que atendem às normas de emissão Euro-5 não devem ser tirados de circulação até 1º de setembro de 2019, ou seja, quatro anos após a introdução da norma Euro-6, mais recente. A sentença permite ainda que a prefeitura de Stuttgart crie isenções para algumas classes profissionais e certos moradores.
Segundo o ADAC, um clube de motoristas com mais de 18 milhões de associados no país, as montadoras ainda podem tentar reverter a proibição se concordarem em fazer aprimoramentos nos sistemas de catalisador dos modelos mais antigos. Eles pedem rapidez ao governo na aprovação de leis que permitam essa solução.
Dos 15 milhões de carros a diesel atualmente em circulação na Alemanha, apenas 2,7 milhões possuem tecnologia Euro-6.
“Essas proibições prejudicam certas classes profissionais ou técnicos da área de serviços que dependem de vans a diesel para realizar seu trabalho”, afirmou Thilo Brodtman, diretor-administrativo da VDMA, associação alemã de empresas de engenharia.
A sentença diz que Düsseldorf deve considerar a proibição dos veículos a diesel caso esta seja a única maneira rápida de cortar emissões.
Diesel em declínio
“Essa decisão é um marco histórico, e a nossa expectativa é que ela possa criar um forte precedente para ações semelhantes por toda a Europa”, afirmaram analistas da Evercore ISI.
“O resultado é deletério para a já claudicante situação dos modelos a diesel, o que deve se refletir no contínuo declínio da fatia de mercado que eles ocupam e do valor residual dos veículos em circulação”, segue a nota da firma.
Segundo uma previsão da Barclays, a participação dos carros a diesel no total de veículos fabricados na Europa, que era de 52% em 2015, pode cair para 27% até 2025.
Numa tentativa de evitar as proibições, o governo alemão tentou convencer as montadoras a instalar um software de atualização em 5,3 milhões de carros a diesel e a oferecer incentivos para a troca de modelos antigos por novos.
Contudo, grupos ambientais fizeram campanha pelo aprimoramento de sistemas de catalisador para veículos com padrão Euro-6 e Euro-5, o que, segundo estimativas da Evercore ISI, pode acarretar um custo de até 14,5 bilhões de euros só com os modelos Euro-5.
A adoção pura e simples da proibição pode provocar uma queda vertiginosa nos preços de revenda, que servem de referência para o cálculo de contratos de leasing e financiamento.
O governo já começou a preparar mudanças legais que permitam introduzir a proibição em algumas rotas em caráter emergencial, conforme a Reuters verificou em documentos do Ministério do Transporte.
Outra medida que está sendo considerada é a oferta de transporte público gratuito em cidades com ar muito poluído.
Marcus Wacket e Ilona Wissenbach - Reuters
Tradução e adaptação novaCana.com