Em São Paulo, 40% do mercado de etanol é irregular, diz Plural
Após a pavimentação de estrada ligando o Rio a Minas Gerais, em 2015, moradores de Conservatória, distrito de Valença, na região sul fluminense, passaram a conviver com intenso tráfego de caminhões-tanque. Eles cruzavam o local quase sempre à noite, em comboios formados por quatro ou cinco veículos.
“Era muito caminhão”, diz Mauro Contrucci, presidente da Associação Comercial Rural e Turística do distrito turístico, conhecido a capital das serenatas. “Passavam em alta velocidade, causando grande incômodo aos moradores”.
O aumento do fluxo é fruto de uma nova estratégia de sonegação de impostos nas vendas de etanol, segmento considerado hoje o principal problema no mercado brasileiro de combustíveis. O setor estima que cerca de um terço das vendas no país sejam feitas por empresas com histórico de sonegação de impostos.
Estudo feito pela FGV para a Plural, empresa que concentra as grandes distribuidoras de combustíveis, estima que as perdas com sonegação nesse setor tenham chegado a R$ 4,8 bilhões em 2018. Considerando outros combustíveis, o valor sobe para R$ 7,2 bilhões.
“O etanol hidratado é o vilão do problema de inadimplência e adulteração do país”, afirma o diretor da Plural, Helvio Rebeschini.
Segundo a Plural, empresas com histórico de problemas tributários são responsáveis hoje por cerca de meta das vendas no Rio. Em São Paulo, o mercado irregular representaria 40% do consumo.
Além da sonegação, as distribuidoras acusam adulteração do produto, com adição de metanol ou de volumes de água maiores do que o permitido pela legislação.
As secretarias de fazenda de São Paulo e do Rio questionam os números, mas admitem que a sonegação de impostos nas vendas de etanol é um problema. A fazenda paulista diz que a diversificação no número de fornecedores facilita a sonegação, já que na gasolina os impostos são cobrados só da Petrobras.
Com a maior alíquota de ICMS sobre o etanol no Brasil, o Rio vem sendo invadido por produtos com suspeita de sonegação, já que a vantagem para fraudadores é maior. A alíquota é de 30%, mais 2% do fundo de pobreza, enquanto em São Paulo é de 12%.
A diferença faz com que distribuidoras comprem o produto para venda em postos paulistas ou mineiros, mas despejem no Rio com lucros maiores depois de entrar no estado por rotas alternativas, em uma estratégia que foi batizada pela receita estadual de “Caminho das Índias”.
“Os comboios vêm por estradas menores ou de terra e têm até batedores para se antecipar à fiscalização”, diz o secretário de fazenda do Rio, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho. Desde o início do ano, a Receita estadual passou a realizar blitzes nas rotas do Caminho das Índias.
Com maior fiscalização por essas rotas, a receita estadual apreendeu 1,6 milhão de litros de etanol irregular e autuou carretas com outros 4,5 milhões de litros neste ano. Foram cerca de 110 caminhões com irregularidades – de falta de nota fiscal a nota com destino a outro estado –, uma média de um a cada quase três dias.
O aumento da fiscalização reduziu o incômodo dos moradores de Conservatória, já que não passam tantos comboios como antes, diz Contrucci. Mas ainda assim as rotas alternativas continuam sendo um desafio para a fazenda fluminense.
As apreensões e as autuações são mais concentradas em quatro distribuidoras. Duas delas, Paranapanema e Minuano, foram descredenciadas pela Secretaria de Fazenda e agora têm que pagar impostos por venda, em vez de esperar o fechamento do mês.
Elas são ligadas à usina Canabrava, no norte fluminense no Rio, beneficiada por um programa que cobra apenas 2% de ICMS sobre a produção local de etanol. A suspeita é que estejam comprando produto em São Paulo e vendendo como se fosse produzido no Rio.
A secretaria de fazenda não informa o nome das outras, mas, segundo informações do mercado, seriam a Manguinhos e a 76 Oil, ligadas à Refit (antiga Manguinhos).
Em São Paulo, as fraudes também são concentradas em um grupo restrito de empresas, diz a secretaria de fazenda e planejamento do estado. Em nota, a secretaria disse que “realiza continuamente atividades de fiscalização para bloquear a atividade de empresas com indícios de irregularidades”.
A Plural defende uniformização das alíquotas de etanol entre os estados para reduzir o incentivo à sonegação em operações interestaduais de venda do combustível.
Manguinhos e 76 Oil disseram que nunca tiveram produtos apreendidos pela receita estadual e que refutam a acusação. A primeira disse que é “gravíssima a ilação” de que cometa crimes. A segunda chamou de “irresponsabilidade”.
As duas dizem que são vítimas desse tipo de crime e que os autores são conhecidos pelo mercado. A Folha não conseguiu contato com as distribuidoras descredenciadas e com a usina Canabrava.
Nicola Pamplona
Fonte: Folha de São Paulo