Mudanças nos pedidos de outorga devem desburocratizar processo e beneficiar o setor

Novo modelo permite, com uma única outorga, a captação de água em vários pontos ao longo de determinado trecho de um rio
Por Leonardo Ruiz
O salvamento é a modalidade de irrigação mais utilizada no setor bioenergético nacional. A técnica, cujo principal objetivo é garantir a germinação ou rebrota em épocas de alto déficit hídrico, chega a responder por mais de 50% da área irrigada em cana-de-açúcar no Brasil. Os dados são do Censo Varietal do Instituto Agronômico (IAC).
No entanto, os interessados em adotar a prática – ou até mesmo ampliá-la – esbarravam em certas burocracias na obtenção de outorgas para captação de água em rios sob domínio da União ou de entidades federais. A principal delas era a necessidade de uma outorga para cada ponto de captação.
Cabe uma explicação: como a irrigação de salvamento não possui ponto fixo, ou seja, a estrutura é movida para outras áreas conforme a demanda, era necessário um pedido de outorga específico para cada um desses pontos. Além de burocrático, esse processo gerava um valor extremamente alto em termos de captação, pois a agência reguladora considerava que todos os pontos estavam sendo captados ao mesmo tempo, e não um de cada vez.
Para resolver essa questão, a Agência Nacional de Águas (ANA) realizou diversas reuniões com representantes do setor bioenergético. Foi proposto um modelo de outorga por trecho de rio. Nesse sistema, uma única outorga permite a captação em vários pontos ao longo de determinado trecho de um rio, um de cada vez. Aprovada no início do ano, a nova diretriz está sendo considerada uma conquista bastante positiva para o setor.
Mudanças nas regras de outorga devem impulsionar adoção da irrigação de salvamento em cana-de-açúcar
Sem a irrigação de salvamento, basta um ano mais seco para a longevidade dos canaviais ser impactada negativamente
A irrigação de salvamento é de extrema importância para o sistema de produção de cana-de-açúcar no Brasil. Sem essa modalidade, basta um ano mais seco para a longevidade dos canaviais ser impactada, e investimentos prematuros e não esperados em reformas serem necessários.
Na irrigação de salvamento, são comumente utilizados carretéis para aplicação de uma única lâmina de água em cana-planta ou cana-soca. O objetivo é garantir a germinação ou rebrota. O volume dependerá do déficit hídrico de cada mês/ano e de aspectos do solo. A escolha da melhor estratégia é essencial para que operação seja a mais eficiente possível, com economia de recursos hídricos, otimização de infraestrutura e ganhos econômicos.
Na visão de Andre Elia Neto, consultor da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA) e gestor do Grupo de Irrigação e Fertirrigação em Cana-de-Açúcar (GIFC), a modalidade de salvamento é de grande valia para o setor. No entanto, dificuldades no processo de obtenção de outorgas acabavam afastando possíveis adeptos da prática.
“Anteriormente, era complicado pedir liberação para captar em determinado trecho de um rio devido ao excesso de outorgas que não eram usadas simultaneamente. Sem falar que aqueles que já possuíam outorgas acabavam pagando valores maiores do que deveriam, pois havia cobranças em cima de outorgas que não eram utilizadas.”
Segundo ele, as novas regras não somente facilitam e agilizam o processo, como tornam os valores de captação mais reais. “Tudo isso deve levar mais produtores e usinas a adotarem a irrigação em suas áreas, especialmente a modalidade de salvamento.”
Para Andre Elia Neto, as mudanças nos pedidos de outorga – agora por trecho de rio – devem levar mais produtores e usinas a adotarem a irrigação de salvamento
Foto: Arquivo pessoal
Essas novas medidas entraram em vigor no início deste ano, após inúmeras reuniões entre a Agência Nacional de Águas (ANA) e agentes do setor, como usinas e entidades representativas. O Grupo de Irrigação e Fertirrigação em Cana-de-Açúcar (GIFC) foi preponderante para o avanço das tratativas, assim como a Associação de Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (BIOSUL) e a Associação da Indústria da Bioenergia e do Açúcar de Minas Gerais (SIAMIG Bioenergia).
Com as mudanças no protocolo, a ANA julgou necessária a realização de um treinamento virtual para capacitar usuários e técnicos do setor de cana-de-açúcar no preenchimento das planilhas. Um dos responsáveis pela explicação das novas regras, Andre Elia Neto afirma que o objetivo da formação foi buscar solucionar dificuldades específicas enfrentadas pelo setor, oferecendo uma abordagem prática e orientada às características da cultura, com o intuito de melhorar a qualidade dos pedidos e reduzir o tempo de análise das outorgas.
Após essa conquista, o setor embarca agora em outras batalhas. Em São Paulo, por exemplo, busca-se a mudança da vazão Q7,10 para Q95, já adotada no sistema federal. A possibilidade de fazer os pedidos de outorga de forma online é outra demanda na maioria dos estados produtores.
“Precisamos desburocratizar esse processo. A nível federal, tudo funciona muito bem. Já nos estados, é bem mais moroso. Além disso, pleiteamos que as novas regras de outorga por trecho de rio sejam implantadas pelos órgãos estaduais. Acredito que tenhamos avançado bastante nos últimos anos, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Por conta disso, ampliamos os trabalhos do GIFC para promover, incentivar e fomentar cada vez mais a irrigação e a fertirrigação na cultura da cana-de-açúcar.”
Fonte: Cana Online