O MERCADO DE AÇÚCAR E A ANTIFRAGILIDADE
Sempre que nos deparamos com mercados de grandes oscilações, como tem ocorrido recentemente com as commodities lideradas por café e açúcar, vem à memória o famoso risco de cauda. Essa denominação faz referência a eventos cuja probabilidade de ocorrência é muito pequena.
Num mercado cujo retorno obedeça a uma distribuição normal, o risco de cauda é aquele evento considerado muito improvável porque está além de três desvios padrão, algo como 0,3% de chance de ocorrência. Para ilustrar, é a probabilidade hoje de o contrato futuro de açúcar com vencimento para outubro/2017 negociar a 24 centavos de dólar por libra-peso. Para efeito do que eu gostaria de demonstrar logo a seguir vou usar algo entre 2,5 e 3,0 desvios.
Exatamente por ter essa pequena probabilidade é que esquecemos desse risco. No entanto, alguns gestores de risco com abordagem mais moderna recomendam que se faça o hedge do risco de cauda dentro da premissa de que o mercado não segue uma distribuição normal e a cauda pode ser mais gorda do que pensávamos, ou seja, com maior possibilidade de ocorrência. Já volto ao assunto.
O ensaísta, trader e analista de risco libanês radicado nos EUA, Nassim Nicholas Taleb, autor do livro A Lógica do Cisne Negro, tem ponderado, em mais uma de suas geniais investidas heterodoxas sobre riscos e incertezas, acerca do conceito de antifragilidade. Frágil é aquilo que se quebra facilmente, que se despedaça, que se danifica com facilidade, sem solidez. O oposto de frágil é robusto, forte, sólido.
Taleb, cujo seminário sobre o tema atendi em NY em fevereiro próximo passado, defende que como somos impossibilitados de prever grandes oscilações no mercado, a utilização do conceito de antifragilidade nos ajuda a tomar posições no mercado que seriam beneficiadas por um eventual caos. Em outras palavras, a antifragilidade (um neologismo, diga-se de passagem) é aquela estrutura na qual alguém se beneficia monetariamente de uma situação de caos, de um evento improvável.
Olhemos agora o mercado de açúcar. Quem ousaria imaginar, há quatro meses, gozando da plenitude de suas faculdades mentais, que o contrato futuro de açúcar fosse negociar abaixo dos 13 centavos de dólar por libra-peso? O vencimento julho/2017, encerrou nesta sexta-feira, a 12.97 centavos de dólar por libra-peso após ter negociado na mínima de 12.76 centavos de dólar por libra-peso, a mais baixa cotação desde fevereiro de 2016, e o menor valor em reais por tonelada desde setembro de 2015.
Já discorremos aqui sobre as diversas razões, com suas diferentes magnitudes, que ajudaram o mercado a despencar de maneira tão forte. A entrega física de açúcar no vencimento do contrato futuro de março por um grande produtor escancarou a fragilidade do mercado físico e foi um divisor de águas em sua trajetória. Seguiram-se a ela eventos que aceleraram a queda: os fundos decidiram ir vendidos (e hoje estão 94.000 lotes vendidos), o físico deu quase nenhum sinal de recuperação, a importação de etanol ocorreu num momento delicado e o preço do barril do petróleo reverteu uma possível tendência que havia de menos cana alocada para a produção de açúcar. Quase uma tempestade perfeita.
Para piorar o quadro, na visão de um trader do mercado, muitas operações de balcão que continham níveis de desaparecimento foram acionadas. Ou seja, empresas que usavam os chamados acumuladores como instrumento de hedge contavam ter um volume de toneladas de açúcar com preços fixados em NY que acabou não se efetivando, uma vez que novas baixas foram atingidas que limitavam o volume das fixações de preço ou acionaram gatilhos que cancelavam essas estruturas. Coisa de louco.
Voltando a cauda gorda. No início da segunda quinzena de fevereiro, quando o mercado ainda estava acima de 20 centavos de dólar por libra-peso, se alguém tivesse gasto US$ 100 mil na compra de puts (opções de venda) de preço de exercício de 15 centavos de dólar por libra-peso, com vencimento para em outubro/2017, financiando essa compra com a venda de apenas 137 lotes da call (opção de compra) de preço de exercício de 22 centavos de dólar por libra-peso, que representam apenas 7.000 toneladas de açúcar, teria hoje baseado no fechamento da semana, US$ 10,8 milhões no bolso, suficientes para compensar toda a queda para um volume de 70.000 toneladas. Um belo seguro.
Dirão os leitores que é muito fácil falar depois do fato consumado, não é mesmo? Pois é, ocorre que cada vez mais a gestão de risco eficiente procura proteger a empresa não apenas contra eventos improváveis. Muito melhor e mais eficiente do que ter uma estrutura robusta é ter uma estrutura antifrágil, aquela em que se está fortalecido num momento de caos. O duro é que as empresas preferem exatamente o oposto. Os tais acumuladores feitos aos borbotões e muitas vezes sem nenhum critério ou pleno conhecimento dos riscos, simplesmente potencializam o desastre exatamente quando o desastre ocorre. O portador troca o atropelamento por uma bicicleta pelo de um caminhão betoneira.
Quando o mercado cai despudoradamente como agora, o pânico se instaura e quaisquer argumentos lógicos se dissipam. É preciso ter serenidade. Preços baixos como os de agora não conseguem se sustentam no longo prazo. O custo de produção de açúcar no Centro-Sul é de 13,73 centavos de dólar por libra-peso FOB. O custo da Tailândia é de 15,49 centavos de dólar por libra-peso. Se no ano passado, mesmo com bons preços, o que se viu foi uma renovação de apenas 12% do canavial nas empresas bem capitalizadas, nesses níveis é de se esperar que tenhamos uma renovação mais baixa.
Ainda trabalham a favor de uma queda em direção aos 12 centavos de dólar por libra-peso, a posição vendida dos fundos, a recompra dos hedges por parte das usinas, o petróleo próximo dos 40 dólares por barril, a extrema pressão nas commodities (açúcar, café e suco de laranja lideram as quedas no acumulado do ano) e uma piora do real em relação ao dólar. Tanto no açúcar quanto no café, os fundos estão pesadamente vendidos e fazendo grandes estragos.
O etanol anidro hoje remunera melhor do que o açúcar, equivalente a NY + 23 pontos.
Fonte: Arnaldo Luiz Corrêa - Archer Consulting