Senado aprova venda direta de etanol aos postos, mas preço do produto cairá nas bombas?
Setor está dividido sobre o tema
O Projeto de Decreto Legislativo (PL) que abre o mercado de etanol hidratado dando às usinas o direito de vender diretamente aos postos acaba de ser aprovado no Senado e agora vai ser encaminhado à Câmara. Com a aprovação esmagadora por 42 votos a favor e dois contra, vai ser apreciado pelos deputados com grandes chances de ser aprovado - e sem poder ser derrubado em outras instâncias -, uma vez que nessa casa a medida conta com mais apoio, inclusive com outros PLs semelhantes em tramitação.
O projeto do senador Otto Alencar (PSD-BA), passando na Câmara, entra em vigor imediatamente, sem possibilidade alguma de veto por parte do Executivo, ao revogar disposição da Agência Nacional de Petróleo que não permite a venda direta, a menos que as indústrias constituam empresas distribuidoras.
Entidades como o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar/PE) e a Feplana – Federação dos Produtores de Cana do Brasil – comemoram a aprovação, alegando que “o Brasil está a um passo de romper com cartel das distribuidoras, especialmente aquelas que detém o poder da produção e da distribuição”.
“No período de crise (greve dos caminhoneiros) houve a constatação de que se deve eliminar questões antieconômicas. Com a venda direta haverá duas fontes de abastecimento onde a logística couber. Nosso objetivo é reduzir o passeio desnecessário do etanol para que haja uma maior racionalidade de custos com alternativa aos postos. O posto teria duas opções: a compra com o distribuidor ou com o produtor. É claro que as certificações de qualidade continuariam existindo. Toda usina para vender um etanol tem que anexar um certificado de qualidade. Essa medida não seria suspensa. O que buscamos é a eficiência no suprimento e o combate a uma política antieconômica”, afirma o presidente do Sindaçúcar/PE, Renato Cunha.
De acordo com o presidente da Feplana, Alexandre Andrade Lima, a mudança pode, inclusive, melhorar o preço do produto ao consumidor. “Na hora que as unidades industriais tiverem opções de venda do produto, melhora o preço final do produto e também o valor da nossa cana. O valor da cana é decorrente do preço do etanol e do açúcar que as usinas vendem. Quanto melhor elas venderem, melhor para as usinas e para nós, fornecedores. Isso não significa que os distribuidores vão acabar. Esse modelo de venda direta funciona melhor para os postos que estão próximos das usinas porque reduz o frete. Mas as duas opções de venda são importantes”, pontua Andrade Lima.
Já a União da Indústria de Açúcar (Unica) e alguns especialistas no tema discordam dos benefícios dessa aprovação, alegando que, na prática, as usinas não possuem logística suficiente para chegar aos mais de 40 mil postos espalhados pelo Brasil. Isso só é possível hoje após bilhões de reais em investimentos por parte das distribuidoras. A regulação vigente define claramente os papéis e responsabilidades de cada agente ao longo da cadeia de suprimentos.
Além disso, 58% dos postos operam com marcas. Ou seja: não poderiam comprar de uma usina, pois estariam enganando o consumidor e descumprindo regras contratuais. O prejuízo ao consumidor também pode ocorrer pela fragilização dos processos de controle de qualidade dos combustíveis fornecidos aos postos. O modelo vigente viabiliza mecanismos de fiscalização dos agentes regulados e sua respectiva responsabilização pelas atividades efetuadas.
Não se sustenta tecnicamente a tese da existência de um benefício de eficiência logística e operacional. Ao contrário, se a proposta for implementada, haverá um incremento que supera R$ 870 milhões ao ano no custo médio logístico, operacional e administrativo, segundo estudo independente realizado pela Leggio – Consultoria de Supply Chain (estudo anexo). Entre os motivos:
Perda dos modais de alto volume incluindo dutos, ferrovias e bitrens, na rota da usina para o posto;
Aumento do tempo total de viagem no processo de entrega direta em função da fragmentação dos volumes por postos;
Produtividade mais baixa na utilização da frota contratada pela usina face a limitação da infraestrutura de carregamento;
Perda de escala na contração de frete;
Incremento do custo administrativo e operacional das usinas para atividades de carregamento/armazenagem, faturamento, crédito, cadastro, programação e atendimento.
Há também aspectos regulatórios e tributários que precisam ser observados. O potencial impacto na tributação, com riscos de perda de arrecadação e questionamentos judicias é muito grande. Nada impede que, no Brasil, uma usina tenha também uma distribuidora. E mais: A diferença de preço entre o litro do etanol no produtor e no posto não está na distribuidora. A menor margem dessa cadeia é a da distribuidora. A diferença está na carga tributária pesada.
A alternativa ainda oculta um fator decisivo na discussão: o RenovaBio, programa já aprovado que valoriza os biocombustíveis e cria uma política de descarbonização do transporte, contribuindo para a implementação dos compromissos que o Brasil assumiu no Acordo de Paris (COP-21). Com a aprovação da proposta, o RenovaBio praticamente deixa de existir, em razão da responsabilidade das distribuidoras para o sucesso do programa.
Fonte: CanaOnline