Setor sucroenergético pode viver nova onda de fusões e aquisições
A reação esboçada pelo setor de açúcar e etanol a partir do ano passado tenderá a reanimar em alguma medida o mercado de aquisições, esperam consultores e especialistas, ainda que a intensidade desse movimento provoque discordâncias naquelas áreas. No ano passado, segundo números da EXM Partners, da PwC, da Deloitte, da Czarnikow e da RPA Consultoria, cinco usinas trocaram de dono, somando uma capacidade instalada muito próxima de 20 milhões de toneladas, em torno de 3% da cana da região Centro-Sul, em negócios estimados em alguma coisa acima de R$ 2 bilhões, evolvendo desembolsos diretos e assunção de dívidas.
O ritmo das transações já havia sido mais promissor do que em 2015, quando, na estatística do diretor de corporate finance da consultoria Czarnikow, Luis Felipe Trindade, foi registrada apenas uma aquisição.
Em uma transação concluída em dezembro daquele ano, o Grupo Ruette, dono de duas usinas de cana em São Paulo, com capacidade para 4,5 milhões de toneladas, foi comprado pelo fundo de private equity Black River Agriculture Fund 2, da gestora Black River, em um investimento de R$ 151 por tonelada de capacidade. Neste momento, assinala ele, havia "uma série de processos em andamento na área de corporate finance (finanças corporativas, em tradução aproximada), incluindo alguns de fusão e aquisição ainda no forno, depois de cinco anos com poucas operações fechadas nesta área".
"De fato, o ambiente tende a favorecer a volta das operações de fusões e aquisições no setor de forma progressiva, em uma intensidade diferente daquela observada em 2010 e 2011, mas com elevação no número de operações e nos valores de transações", observa Trindade. Segundo ele, o mercado registra, atualmente, uma presença mais forte de players que já atuam no setor, em busca de sinergia para o seu negócio. Da mesma forma, percebe-se o interesse também de investidores estrangeiros, sobretudo do Oriente Médio e da Ásia. "Em resumo, 2017 pode ser um ano mais ativo do que 2016".
Na avaliação de Wendel Caleffi, sócio da EXM Partners, o mercado tem dado sinais efetivos de alguma reação, com maior procura de investidores, especialmente estrangeiros. Ricardo Pinto, sócio e fundador da RPA, observa que a "temporada de due diligence no setor foi reaberta agora", com a demanda de liderada por grupos da Europa e do Oriente Médio. Depois de dois anos sem procura, a RPA conclui duas operações em São Paulo, fechou contrato com mais duas usinas, também em território paulista, e iniciou as tratativas de uma usina em Mato Grosso.
"Há cerca de um mês fizemos uma due diligence para um grupo do Oriente Médio, interessado na aquisição das duas usinas da Abengoa Bioenergia em São Paulo. Um grupo europeu sinalizou interesse em contratar a avaliação de um grupo de médio porte do Centro-Sul, em mais um sinal de que o mercado de fusões e aquisições experimentam uma retomada", afirma Pinto.
Os investidores, no entanto, continuam bastante conservadores, na visão de Alessandro Ribeiro, líder para a área de fusões e aquisições da PwC, e de Paulo Pinese, sócio da consultoria Deloitte para a área de agronegócio. "A novidade é que os preços (do açúcar e do etanol) estão mais favoráveis e o valor das usinas está mais baixo do que na fase de boom desse mercado, entre os ciclos 2009/10 e 2011/12", comenta Ribeiro. Pinese acredita que uma segunda onda de consolidações no setor ainda deverá ocorrer.
Neste momento, porém, o mercado "está à toda apenas do lado da venda. Simplesmente não há quem se arrisque a comprar", reforça ele.
Na avaliação de Pinese, a curva de rentabilidade das usinas, na média, ainda não é suficiente para "gerar um cálculo econômico sólido para justificar o investimento em aquisições desse porte". Ele cita o caso do leilão da unidade de Promissão da Renuka, atualmente em recuperação judicial, que foi frustrado por falta de investidores e relembra que "tentativas de venda de outros grupos também não levaram ao fechamento de negócios".
Na hipótese de uma segunda onda de consolidação, Pinese descarrega suas apostas na China, que dispõe de capital e poderia assumir uma participação relevante no mercado brasileiro de aquisições. "Os investidores deverão olhar principalmente usinas em recuperação judicial com dificuldades de financiamento e usinas que precisam de capitalização", sugere. Fundos de investimento, especialmente estrangeiros, acrescenta Ribeiro, estariam avaliando usinas com boa capacidade de geração de caixa.
Mais atrativas
Caleffi identifica dois tipos de usinas disponíveis e que poderiam ser mais atrativas a investidores potenciais, mencionando, primeiramente, aquelas unidades que entrarem em operação ainda durante o boom mais recente de investimentos do setor, em 2009, que enfrentam níveis de alavancagem ainda elevados e se encontram em recuperação judicial. No segundo grupo, o sócio da EXM Partners inclui usinas mais antigas, das quais muitas sem cogeração de energia, mas com boas áreas de lavoura e bem posicionadas em relação à logística de operação.
Entre elas, Caleffi aponta as usinas São Fernando, da família Bumlai, localizada em Dourados (MS), com capacidade para 4,5 milhões de toneladas, e a São Simão, do Grupo Andrade, instalada no município de mesmo nome em Goiás. "São usinas novas, que estavam alavancadas e não conseguiram servir suas dívidas de 2010 em diante", afirma.
A EXM está concluindo o processo para o leilão da São Fernando, que envolverá a constituição de uma unidade produtiva isolada (UPI), conforme prevê a Lei de Recuperação Judicial, em um modelo que oferece "maior proteção legal ao investidor disposto a assumir o passivo e entrar com dinheiro novo no negócio", sustenta Caleffi. O pacote todo, incluindo a planta industrial e canaviais, está avaliado em R$ 1,1 bilhão, em grandes números, e a gestora americana de fundos de investimento Amerra estaria entre os interessados, assim como o grupo Cevital, maior companhia privada da Argélia.
A solução pensada para a São Simão, igualmente sob recuperação judicial, deverá seguir o modelo mais convencional de aquisição. "Estamos falando de uma usina com capacidade de 3 milhões de toneladas, com níveis baixos de contingências e endividamento em torno de R$ 550 milhões", afirma Caleffi. "Quem entrar no negócio teria que fazer um investimento de R$ 100 milhões para que a usina retorne à capacidade de operação plena", completa.
Entre os interessados em usinas brasileiras, além da Amerra e da Cevital, Ricardo Pinto relaciona ainda o grupo paquistanês Fatima, com ativos na área de fertilizantes, têxteis, açúcar e energia, que teria sob a mira a usina Madhu, da Renuka do Brasil, localizada em Promissão (SP), e as usinas da espanhola Abengoa Energia. Já o Proterra Investments Partners (que tem a Cargill como um dos acionistas) teria firmado, assim como o fundo Castlelake, termo de confidencialidade para consultar informações sobre a planta da Renuka. A mesma usina ainda estaria sendo analisada pela brasileira RK Partners, que mantém joint venture com a Cerberus Capital Management, uma das maiores gestoras globais de private equity.
Fonte: Nova Cana - Lauro Veiga Filho