Venda direta de etanol e aumento de biodiesel reduziriam preço dos combustíveis, defendem produtores
Por Célio Martins*
A crise provocada pela greve dos caminhoneiros fez crescer em Brasília a pressão por mudanças na política de produção, distribuição e comercialização de combustíveis no país. O movimento reúne de plantadores de cana a produtores de óleos vegetais e de etanol e representantes de postos.
Em uma reunião com o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, no auge da crise, os representantes dos produtores defenderam o aumento da mistura de biodiesel no diesel, a venda direta de etanol das usinas produtoras para os postos de gasolina e revisão das metas da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) diz que o setor tem capacidade de fornecer biodiesel suficiente para elevar a mistura com o diesel dos atuais 10% para 15%. Com essa medida, a entidade estima que haveria uma redução de R$ 0,10 a R$ 0,20 por litro de diesel nas bombas.
O aumento da mistura de biodiesel ao diesel, no entanto, depende de revisão das metas do RenovaBio, atualmente em discussão no governo federal. A legislação em vigor determina em 10% o porcentual da mistura de biodiesel ao diesel. O setor propõe como medida para ajudar o país a sair da crise a médio prazo o aumento para 11% em 2019 e de 15% já em 2023. No governo, a meta é mais tímida, de aumento da mistura para 11% em 2020, subindo 1 ponto até 2023.
O ritmo de aumento da mistura de biodiesel ao diesel imposto pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) é considerado muito lento por representantes dos produtores. A Abiove pediu ao Ministério das Minas e Energia que faça testes para a utilização de mistura de 20% em casos específicos, como em frota de ônibus municipais, em máquinas agrícolas, em ferrovias e em grandes transportadoras rodoviárias.
Os defensores do aumento maior da mistura de biodiesel ao diesel dizem que a vantagem da medida vai muito além da queda nos preços. Geração de empregos diretos e indiretos ao longo de toda a cadeia produtiva, melhora na balança comercial com a redução da importação de diesel, transferência de renda a pequenos produtores e redução na emissão de poluentes são alguns dos argumentos apresentados pelas entidades.
Venda direta
A comercialização direta de etanol das usinas para os postos é um tema que vem sendo debatido há décadas. A liberação é defendida por grande parte dos produtores de álcool (plantadores de cana e usineiros) e donos de postos de combustíveis. Também recebeu um apoio de última hora do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que incluiu a medidas entre suas propostas para reduzir o preço dos combustíveis na bomba, mas enfrenta das distribuidoras.
Hoje, a comercialização de etanol segue critérios estabelecidos por uma resolução de 2009 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a qual impede a venda direta do produto pelas destilarias. Pela resolução, só as distribuidoras podem comercializar álcool combustível.
Para os setores que pressionam pela liberação, a venda direta proporcionaria uma redução no preço final ao consumidor que pode variar de 10% a 30%, dependendo da distância dos postos de combustíveis da usina produtora.
No mês passado, em atendimento à solicitação da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), o deputado federal JHC (PSB/AL) ingressou com um pedido de urgência para votação do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) que tem como objetivo permitir a venda direta. O projeto está agora nas mãos do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
De acordo com o presidente da Federação dos Plantadores de Cana (Feplana), Alexandre Andrade Lima, os produtores não querem eliminar as distribuidoras, mas sim ter mais opções para vender o seu produto.
“Com a liberação da venda direta, a maior parte do custo do frete seria eliminado. Hoje temos situação em que o álcool viaja 300 a 400 quilômetros da usina produtora e depois volta para os postos de combustíveis que ficam próximos dessas mesmas usinas por um valor bem maior”, diz Andrade Lima.
Segundo o representante dos plantadores de cana, há estudo que mostra que a venda direta da usina para os postos possibilitaria uma redução de, no mínimo, 10% no preço final do produto. “Vai depender da distância entre a usina e o posto. Para distâncias pequenas, que é o caso de cidades bem próximas da produção, a redução no preço pode chegar a 20% ou 30%”, estima.
Modelo de distribuição
A comercialização direta é uma das bandeiras do Fórum Nacional Sucroenergético, criado em 2003 e que reúne 12 entidades do setor. O Fórum quer uma mudança profunda no modelo de distribuição de combustíveis no país. Para a entidade, o novo modelo terá de aproximar o produtor do consumidor. Com a mudança, as entidades que compõem o Fórum esperam diminuir as margens de quem está no meio do caminho e com isso colocar o produto a um preço mais barato para o consumidor.
A pressão pela venda direita, no entanto, não tem o apoio unânime dos produtores. A União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica), que reúne usinas do estado de São Paulo, não se posiciona contra, mas considera a discussão neste momento inadequada, já que o setor está envolvido na regulamentação do RenovaBio e as distribuidoras têm uma participação estratégica e importante para que o programa seja implementado.
Há ainda o movimento em contrário dos distribuidores, que temem perder receita. A Associação das Distribuidoras de Combustíveis (Brasilcom) diz que a venda direta levaria ao “descarte da estrutura comercial e de logística estabelecida, perda de capilaridade de distribuição e entrega de etanol e comprometimento da garantia de qualidade, segurança e respeito ao meio ambiente”.
Cade propõe mudanças para reduzir preço
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) apresentou nove propostas para melhorar a distribuição, aumentar a concorrência no comércio de combustíveis e ajudar a reduzir o preço na bomba.
A venda direta de etanol pelas usinas aos postos é uma das medidas sugeridas. Outra proposta é permitir que uma refinaria ou uma distribuidora tenha seus próprios postos de combustíveis. Em um documento intitulado “Repensando o setor de combustíveis: medidas pró-concorrência”, o órgão diz que as propostas já estavam em estudos antes do início da greve dos caminhoneiros.
As nove sugestões estão reunidas em três tópicos temáticos, envolvendo questões regulatórias estrutura tributária e outras alterações institucionais de caráter geral.
Propostas de caráter regulatório:
Permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos
Repensar a proibição de verticalização do setor de varejo de combustíveis, isto é, permitir que uma refinaria ou uma distribuidora tenha seus próprios postos
Permitir a importação de combustíveis pelas distribuidoras
Fornecer informações aos consumidores do nome do revendedor de combustível, de quantos postos o revendedor possui e a quais outras marcas está associado para que fique claro quem concorre com quem
Aprimorar a disponibilidade de informação sobre a comercialização de combustíveis para o aperfeiçoamento da inteligência na repressão à conduta anticompetitivas
Propostas de caráter tributário
Repensar a substituição tributária do ICMS, que é o principal imposto que incide sobre os combustíveis
Repensar a forma de tributação dos combustíveis. Atualmente, o imposto é cobrado por meio de um valor fixo por litro de combustível. O estudo sugere a cobrança de valores percentuais sobre a receita obtida com a venda
Propostas de caráter geral
Permitir postos com autosserviços em que o consumidor pode abastecer o seu próprio veículo, sem a necessidade de frentista
Repensar as normas sobre o uso concorrencial do espaço urbano. Por exemplo permitir a instalação de postos em hipermercados
R$ 4,8 bilhões: Esse é o montante de impostos sonegados na distribuição de combustíveis no país, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), com base em dados de 2016. O valor é relativo ao não pagamento de ICMS aos estados. Para Leonardo Gadotti, do Sindicato Nacional das Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom), a sonegação é maior na distribuição de etanol hidratado.
Biogás e biometano surgem como alternativa
A crise de combustíveis desencadeada pela greve dos caminhoneiros fez com que outros setores, além dos produtores de biodiesel e etanol, se posicionassem como alternativa para reduzir a dependência de petróleo. A Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás) considera que o “caos” da semana passada reflete a fragilidade da política energética brasileira.
“Enquanto consumidores pagam valores exorbitantes, os biocombustíveis se apresentam como opção sustentável e imunes a oscilações do mercado internacional. Atualmente, o potencial de produção de biometano poderia suprir 47% da demanda de diesel do país”, afirmou a entidade em nota divulgada em seu site.
A Associação afirma ainda que se as políticas governamentais tivessem dado maior ênfase no passado ao setor, hoje o país teria maior segurança na matriz energética, redução de custos e 96% menos emissões de gases de efeito estufa.
Aposta em outros países, carros elétricos não emplacam no Brasil
Considerados por muitos países como principal caminho para superar a dependência dos combustíveis fósseis, os carros elétricos não passam de uma miragem no Brasil. Dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) mostram que existem hoje pouco mais de 7 mil carros elétricos e híbridos em circulação no país, para uma frota de mais de 43 milhões de veículos (carros, picapes, furgões, caminhões e ônibus).
Quando comparado com os números de outros países é possível ver o atraso brasileiro. Na Noruega, líder mundial no setor, 52% dos carros novos vendidos no ano passado foram “verdes”, segundo informações do governo.
Nos EUA, a queda nos preços do petróleo nos últimos anos dificultou a entrada dos elétricos, mas o crescimento vem acelerando. Em 2017 foram emplacados no país 200 mil carros que usam eletricidade no país. A previsão é que esse número vai se multiplicar rapidamente com os novos modelos que chegam todo mês às revendas. Mais de 40 novos veículos elétricos serão lançados neste ano na terra do Tio Sam, segundo pesquisa da Baum & Associates.
Da Ásia à Europa, há planos ousados para substituir os velhos carros poluentes. O governo chinês anunciou em setembro do ano passado que pretende banir os veículos a gasolina e diesel até 2040.
O plano mais ousado é o da Noruega, que tem como meta tornar o transporte público gratuito, com veículos movidos a biogás e energia elétrica até 2020 e acabar com os carros a gasolina e diesel até 2025. Os vizinhos Suécia e Dinamarca têm planos semelhantes, mas preveem um pouco mais de tempo. Holanda, França e Inglaterra também já anunciaram que pretendem substituir seus veículos poluentes em pouco mais de duas décadas.
Dificuldades
Vários são os motivos apontados pelo estágio atual do Brasil quando se trata de carro elétrico. Os preços dos veículos, que no país variam de R$ 126 mil (Toyota Prius) a R$ 760 mil (Lexus LS 500h), são uma das barreiras.
Mas não para por aí. A rede de abastecimento para quem precisa viajar praticamente não existe. Segundo estimativas da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) e do aplicativo PlugShare o número de eletropostos não deve passar de 100 no país.
Descontando alguns eletropostos instalados na Via Dutra, rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, e outros em algumas das principais rodovias do interior paulista, a maioria dos eletropostos públicos se encontra em shoppings centers e complexos empresariais.
* Célio Martins é jornalista profissional e escritor, com atuação nos jornais Folha de São Paulo, Folha de Londrina, Correio do Estado (Campo Grande) e O Estado do Paraná. Atualmente é editor na Gazeta do Povo. Em televisão, trabalhou na TV Iguaçu (SBT), TV Campo Grande e Rede CNT.
Fonte: Gazeta do Povo