Venda direta de etanol: Usinas e postos já podem adotar opção em alguns estados, mas negócios ainda não ocorrem
Setor vê que preços ao consumidor podem cair com avanço das negociações. Veja como os preços subiram com foco na safra do BR, mas também impacto do petróleo, câmbio e carga tributária complexa dos estados; importação entra em pauta
O governo federal assinou em agosto deste ano duas Medidas Provisórias (MPs), a 1063 e a 1069, relacionadas à venda direta de etanol e a ??´infidelidade à bandeira??´ para os postos de combustíveis. Semanas depois, alguns estados, com regulamentação finalizada, já podem adotar as transações como opção, mas os negócios ainda não ocorrem.
O Notícias Agrícolas entrevistou ao longo desta semana entidades representativas do setor sucroenergético nos cinco maiores estados produtores de etanol do Brasil para verificar como está a situação de comercialização com as MPs, além dos benefícios ao setor e ao consumidor final em meio alta dos preços dos combustíveis.
Em linhas gerais, ambas as entidades ouvidas destacaram ser favoráveis à venda direta de etanol das usinas diretamente aos postos, sem as distribuidoras, e que as MPs podem trazer benefícios aos consumidores, como queda de preço, ainda que isso leve algum tempo, e que o setor terá mais uma opção de negócio, já que as distribuidoras seguirão.
"Nós acreditamos que essa liberdade econômica vai possibilitar ganhos logísticos de forma que o maior beneficiado será o consumidor, porque poderá reduzir o custo do etanol na bomba e dar mais opções de compra. Isso traz mais racionalidade ao sistema. Com relação ao setor energético, o ganho será através do aumento de consumo de etanol", destacou Luís Henrique Scabello de Oliveira, presidente da Canasol Associação dos Fornecedores de Cana (Canasol) da região central de SP.
Em São Paulo, maior estado produtor e consumidor de etanol do país, os negócios ainda não ocorrem através da venda direta. "A MP ainda é muito recente... A questão tributária ainda é bastante complexa para ser resolvida, não só de ICMS, mas de outros impostos e muitos postos ainda têm contratos com as distribuidoras. É muito cedo ainda pra ver esse impacto", pontua Oliveira.
"Na medida em que um posto começar a vender mais barato, os demais vão ter que acabar se enquadrando", complementa o presidente da Canasol.
"Acredito que essa redução de preço para o consumidor será sentida ao longo do tempo... Nós precisamos entender que, da lógica do posto, faz sentido a compra direta desde que ele compre mais barato. Da lógica da usina, se for o mesmo preço com a distribuidora [ não compensaria] já que com ela você faz maiores volumes de vendas, você tem o carregamento mais rápido e a relação também já está estabelecida. Então vai depender do que cada posto vai definir, se vai aumentar sua margem ou transferir essa redução ao consumidor", disse André Rocha, presidente do Sifaeg (Sindicato da Indústria de Fabricação do Etanol do Estado de Goiás).
No estado de Goiás, ainda não há regulamentação para a venda direta, mas a procura inicial também tem sido limitada. "Nós não estamos vendo uma grande procura de postos por usinas para fazerem essa venda. Tudo bem que ainda falta regulamentar por parte de algumas secretarias de Fazenda", pontua Rocha.
Em Minas Gerais, a venda direta já está regulamentada e para o SIAMIG (Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool do Estado de Minas Gerais) ela deve trazer benefícios aos consumidores e ao setor seria mais uma opção de negócios, não sendo um modelo único no mercado de combustíveis.
"As distribuidoras de combustíveis, apesar dessa demanda do setor, têm uma importância muito grande para a distribuição dos combustíveis no Brasil todo. Essa medida não desmerece o trabalho fantástico que fazem as distribuidoras de combustíveis. Por outro lado, o etanol hidratado é um produto que não sofre nenhuma modificação nas distribuidoras. O mesmo produto que sai das usinas, estaria disponível nos postos", diz Mário Campos, presidente da SIAMIG.
Apesar de já ser possível a negociação direta no estado, ainda não há registro de fechamento de negócios com essa nova modalidade no estado mineiro. "A gente ainda não tem notícias de negócios concretizados, mas houve muita procura quanto por parte de produtores tanto por parte de postos revendedores", complementa Campos.
"Hoje, temos o que a gente chama do passeio do combustível. Então tem uma usina numa cidade do interior do estado e ela precisa entregar esse combustível para uma distribuidora que normalmente irá carregá-lo até um grande centro para depois voltar para esse interior. Esse passeio do combustível acaba gerando uma morosidade do processo, além de um aumento do custo de frete", explica Lhais Sparvoli, diretora executiva da Sindalcool-MT (Sindicato das Indústrias Sucroalcooleiras do Estado de Mato Grosso).
Sparvoli ainda pontua sobre o estado de Mato Grosso que, apesar de regulamentação, a programação das usinas ainda está focada nas distribuidoras. "Atualmente, a gente ainda não está encontrando essa venda direta acontecendo. As usinas ainda não têm hoje essa estrutura para fazer essa venda direta, então elas precisam se reprogramar, porque muitas já têm contratos prontos com os distribuidores", pontuou.
A Biosul (Associação de Produtores de Bioenergia de Mato grosso do Sul) também é favorável às MPs assinadas recentemente pelo governo federal, principalmente pelos ganhos de competitividade que deve gerar ao mercado de combustíveis. Porém, a entidade acredita que é preciso cautela com queda preços no curto prazo.
"Tem sido criada uma expectativa muito forte de redução significativa de preços para o etanol. E a gente entende que tem que ter muito cuidado com essa afirmação. Você pode sim ter alguma possibilidade de redução de preço, sobretudo em praças onde você não tem a distribuidora próxima e você tem usinas produtoras, tendo um ganho de logística", pontua Roberto Hollanda Filho, presidente da Biosul.
No estado de Mato Grosso do Sul ainda não é possível ser realizada a venda direta, já que depende de regulamentação. Porém, a Biosul diz que sondagens já ocorrem com essa nova possibilidade aos produtores.
As MPs assinadas pelo governo tentam dar maior copetitividade ao mercado de combustíveis no Brasil e baixar os preços do etanol hidratado, que tem perdido competitividade sobre a gasolina. A MP 1063 veio primeiro e a 1069 teve como objetivo dirimir dúvidas da anterior, principalmente sobre os contratos vigentes.
Ao mesmo tempo, o governo também editou o Decreto 10.792, regulamentando a nova legislação.
Por outro lado, as associações do setor de combustíveis não acreditam que as medidas postas pelas MPs diminuirão os preços aos consumidores. A nota foi assinada pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasilcom), a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro).
"Entendemos que a venda direta deveria ser autorizada apenas após a mudança das regras de tributação, consolidando todos os impostos (federais e estaduais) nos produtores e importadores, o que inclui a adoção do ICMS monofásico para os combustíveis, com alíquotas específicas (valor fixo por litro e por produto) e uniformes em âmbito nacional", dizem as associações.
Já sobre a questão da bandeira, as entidades consideram "que a medida não traz ganhos à dinâmica do mercado, já que cerca de 47% dos postos revendedores trabalham sem exclusividade a qualquer distribuidora, operando sob suas marcas próprias ("bandeira branca")".
Composição dos preços dos combustíveis
A safra 2021/22 de cana-de-açúcar começou oficialmente em abril deste ano já em meio condição climática adversa carregada do ano anterior. Não bastasse a seca, as lavouras também foram impactadas por geadas no Centro-Sul do Brasil e também registraram incêndios ao longo dos últimos meses.
Nesse cenário, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) vê a temporada, que deve acabar nas próximas semanas, com uma moagem entre 520 e 530 milhões de toneladas, sobre 605 milhões de t na temporada anterior, e impacto nas produções de açúcar e etanol.
"Com a oferta restrita, o preço foi lá em cima, tirando o estímulo do consumidor, principalmente, no uso do etanol hidratado", disse em entrevista recente ao Notícias Agrícolas o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues.
Desde o início da safra 2021/22 até o dia 16 de setembro, o volume de etanol comercializado pelas empresas do Centro-Sul teve um crescimento de 1,5%, somando 13,43 bilhões de litros. Do total comercializado domesticamente, o etanol anidro, misturado à gasolina, representa 4,68 bilhões de litros ( 26,7%) e o etanol hidratado corresponde a 7,98 bilhões de litros (-3,6%).
O cenário complicado na safra de cana refletiu nos preços do etanol, mas não foi o único responsável pela valorização nos preços. Como etanol hidratado é um substitutivo da gasolina nas bombas do Brasil, ele também acompanha as flutuações do combustível de origem fóssil.
Há alguns meses a paridade do etanol hidratado sobre a gasolina tem ficado acima do limite de 70% em todo o país, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Portanto, também entra na conta da subida dos combustíveis um petróleo no cenário internacional quase na casa dos US$ 80 barril, o dólar e também a composição dos impostos.
Dados da mostraram que a gasolina chegou a R$ 7 em alguns postos do país nos últimos dias, fechando com média na última semana a R$ 6,092 o litro, sobre R$ 4,715/l do etanol em todo o país e R$ 4,707/l do diesel. Nos últimos 12 meses, a alta da gasolina e do diesel já soma quase 40%.
Na composição dos preços da gasolina, etanol e do diesel, há a margem de preço dos postos e distribuidoras, a da Petrobras, o custo do etanol anidro ou biodiesel no caso da gasolina e do diesel e os impostos (ICMS -- estadual e a Cide e PIS/Pasep Cofins -- federais). Um levantamento da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), em agosto de 2020, mostrou que cerca de 40% do valor cobrado pelo litro do biocombustível era de tributos ou margem de postos/distribuidores.
O ICMS nos combustíveis é cobrado logo no início da cadeia produtiva, ou seja, nas refinarias, em um sistema conhecido como "substituição tributária", com estados definindo preços de referência para o recolhimento em atualização quinzenal. No caso do etanol em São Paulo, o ICMS desde o dia 15 de janeiro passou a ter a alíquota de 13,3% e o da gasolina é de 25%.
O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender nesta sexta-feira (1º) um valor fixo ao ICMS dos estados sobre os combustíveis. "Na semana que vem, o Arthur Lira disse que está fazendo um trabalho", disse em live nas redes sociais.
IMPORTAÇÃO DE ETANOL ENTRA NA PAUTA
Em meio atual cenário de preços e chegada de uma entressafra de cana que será maior neste ano, o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, disse à Reuters que a entidade em conjunto com outras entidades deve enviar à Câmara de Comércio Exterior (Camex) no início da próxima uma solicitação de isenção para a importação de etanol anidro, que hoje está em 20%.
"Estamos apresentando uma oportunidade para redução imediata no preço da gasolina", disse Araújo. No documento, a entidade estima que a gasolina no país poderá ter uma redução em cerca de R$ 0,18 por litro.
Fonte: Notícias Agrícolas – 01/10