"Voltamos à agenda do atraso", diz especialista sobre preço do diesel
Especialista critica a ingerência do governo na Petrobras para atender caminhoneiros
Adriano Pires é um veterano na área de infraestrutura, especialmente quando o assunto envolve o setor de combustíveis. Com mais de 30 anos de experiência no setor, é sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie).
Em 2016, por ter uma visão técnica da área de petróleo e ser um defensor de uma gestão profissional na Petrobras, chegou a ser cotado para substituir Aldemir Bendine na presidência da estatal, quando o então governo interino de Michel Temer optou por Pedro Parente.
Nesta entrevista concedida aos Diários Associados no final da tarde da segunda-feira, Pires elogiou a gestão de Parente à frente a Petrobras e disse que a sua saída foi um fato “surreal” que atendeu a interesses políticos.
Também com experiência na área petrolífera, primeiro como assessor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), no início dos anos 2000, e depois como superintendente das áreas de abastecimento, importação e exportação, Pires criticou a forma “complicada” que o governo escolheu para acabar com a greve e se curvar às reivindicações dos caminhoneiros.
O ex-professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro defende agora uma metodologia de preços que atenda a todos os combustíveis e não apenas ao óleo diesel. Apesar de toda a confusão causada pela greve, e que acabou por reduzir novamente o valor da Petrobras na Bolsa, ele considera que o governo tomou a decisão certa ao convidar o diretor financeiro da estatal, Ivan Monteiro, para assumir a presidência. A escolha, diz ele, deixa claro ao mercado que o governo dará continuidade à política do antecessor.
A greve dos caminhoneiros expôs com clareza a nossa dependência do transporte rodoviário. Qual a sua avaliação dos acontecimentos dos últimos dias?
É bom que fique claro para a população brasileira que a greve dos caminhoneiros não foi motivada pelo alto preço do diesel. A origem dessa greve está no frete.
O senhor pode explicar?
Aconteceu o seguinte: lá atrás, nos governos anteriores, resolveu-se, mais uma vez, intervir no mercado por meio da liberação de crédito para financiamento na compra de caminhões novos, através do BNDES. Hoje, temos uma frota de caminhões no Brasil muito maior que a necessidade do mercado. Por exemplo, temos mil caminhões fazendo frete no Brasil, mas o mercado só precisa de 500 para equilibrar o volume de mercadorias que precisavam ser transportadas no país. Esse movimento de aumentar a frota de caminhões de maneira artificial aconteceu no governo do PT, e trouxe outro problema: o caminhoneiro que comprou caminhão precisa pagar o financiamento.
E aí veio a crise econômica...
Sim, o que causou uma guerra de preços no mercado de fretes. Nos últimos anos, a disputa entre caminhoneiros por mercadoria aumentou muito e a variável para ganhar um do outro era o frete mais barato. Ao mesmo tempo, houve um aumento do preço do barril do petróleo no mercado internacional e um acréscimo muito forte por parte do governo nos impostos sobre o diesel, além de uma desvalorização do real frente ao dólar.
Uma tempestade perfeita desabou sobre o setor.
Sim. O preço do diesel foi para as alturas e os caminhoneiros não conseguiram repassar para o frete essa alta, porque existia uma grande competição entre eles. A demanda por frete também caiu em razão da crise econômica. Essa é a origem da greve. Além disso, em todo o ano de eleição no Brasil um dos assuntos que os políticos gostam de discutir é o preço de gasolina, do diesel e do botijão de gás. E aí ninguém lembrou de falar que a origem da greve está no frete. A grande discussão ficou em torno de que era preciso reduzir o preço do diesel. E vamos combinar, podemos até reduzir o preço do diesel, como foi feito, mas se o frete continuar muito competitivo, vamos continuar tendo problemas, porque o ponto principal não foi atacado.
O problema foi aparentemente resolvido, porque a greve acabou.
O governo resolveu o problema do diesel com soluções que a gente achava que faziam parte do passado, com criação de subsídios, tentativa de intervir na Petrobras, colocar fiscais e polícia na rua para tabelar o preço do diesel nos postos. Medidas que, na minha opinião, fazem parte da agenda do passado, populista. Isso é um prato feito para candidato populista, de direita ou de esquerda. Como se tudo pudesse ser resolvido com gasolina e diesel baratos. Acho que não é por aí. O problema do Brasil não é gasolina e diesel caros. O problema do Brasil é falta de segurança na rua, de saúde, de escola, de saneamento...
Sim, mas a greve dos caminhoneiros parou o Brasil.
Vamos explicar essa história. No início da greve, o governo anuncia que vai fazer uma medida para resolver a questão zerando o PIS/Cofins. É bom lembrar que, em julho de 2017, quando a Petrobras mudou a política de preços para reajustes diários, o governo dobrou a alíquota do PIS/Cofins do diesel e mais do que dobrou o da gasolina, embora dentro do teto da alíquota. Isso influenciou muito na explosão dos preços. Em seguida, o governo fala que não dá para zerar o PIS/Cofins, porque temos a LDO (Lei de diretrizes Orçamentária) e a lei do limite do teto do gasto. Aí ele vem com outra solução, que é mesma, mas abraça o valor de R$ 0,46, que é o valor do PIS/Cofins.
Essa foi solução que o governo encontrou para resolver a greve.
É o que eu chamo de solução esparadrapo. Ela está longe de ser uma solução definitiva, até porque para se ter uma solução definitiva é preciso ter uma metodologia, ou melhor, uma política que sirva para a gasolina, para o botijão de gás, para o querosene de aviação. Não podemos ter uma política para o diesel e deixar o resto pra lá. Não pode ser assim.
Isso não deverá mudar?
Acho que nos próximos dois meses, não. Será um desafio para esse governo e para o próximo criar realmente uma sistemática de política de preços de combustíveis no Brasil que não ande para trás. Que não fique de olho na Petrobras. Quando os governos anteriores interviram na Petrobras, sempre foi um desastre. No último, quase quebraram a empresa, subsidiando gasolina e óleo diesel. País que vende gasolina e diesel abaixo do mercado internacional, que utiliza os combustíveis para controlar inflação, para eleger candidato que mente para a população dizendo que gasolina e diesel barato é para distribuir melhor a renda, são exatamente os países que não têm democracia consolidada e onde a população não tem acesso aos bens básicos como segurança, saúde, educação e saneamento. Ao contrário de países produtores de petróleo, como Estados Unidos e Noruega, onde os preços refletem o mercado e onde não há subsídios. Nessas nações há democracia consolidada e serviços públicos de qualidade.
Não corremos o risco de outros movimentos exigirem também redução da gasolina, do gás?
Com certeza. O governo estava acuado, numa situação muito complicada, onde a população estava ficando sem gasolina, hospitais sem remédios, mercados desabastecidos. Estávamos entrando no caos. O governo teve que ser rápido e mostrar à sociedade que tinha o controle da situação. Mas com certeza daqui a pouco ele vai começar a ser questionado das razões de só ter política de subsídio para o diesel e não ter subsídio para a gasolina e outros derivados. Se o governo acha que não tem que repassar para o consumidor final a totalidade do reajuste do barril do petróleo, ele tem que estar disposto a reduzir imposto. E não intervir na empresa que produz gasolina, ou que faz a distribuição do combustível.
Qual foi o papel do presidente da Petrobras, Pedro Parente, nesse processo?
O Pedro Parente acabou sendo vítima dessa volta da agenda do atraso. É inacreditável que um presidente de uma empresa que triplicou por quatro o seu valor na Bolsa saia por causa de uma discussão no preço do óleo diesel. É surreal. Parente pagou a conta do atraso desses políticos que, em ano de eleição, mentem para a população, dizendo que a política de preços dele é para dar dinheiro para os americanos. Bobagens que a gente ouve desde sempre. Quem faz isso, além de enganar a população está cometendo estelionato eleitoral.
Mas também tem o problema de ele ter entrado em um governo fragilizado e com pouca popularidade.
Mas aí é mérito dele. Parente embarcou em um governo de pouca credibilidade e fraco, mas conseguiu multiplicar por quatro o valor da Petrobras. Ele percebeu que, durante ou depois da greve, algumas condições exigidas para ser presidente foram retiradas. Ele colocou na carta de demissão que naquele momento estava saindo da Petrobras porque havia percebido que passou a prejudicar mais do que ajudar a empresa. O governo é o acionista majoritário e é ele que tem que saber o que quer. Como o governo queria uma coisa que ele discordava, foi embora.
Na sua opinião, ele estava no caminho certo?
Ele estava no caminho certíssimo. Tanto que conseguiu tirar a Petrobras do buraco. Quando assumiu o cargo de presidente, a Petrobras era uma empresa desacreditada, quebrada e com uma dívida de US$ 100 bilhões. Ele conseguiu renegociar a dívida, vender ativos e, com a política de preços, gerar uma receita maior para a petroleira.
Não houve nenhum erro na gestão dele?
Se a gente quiser encontrar algum erro, talvez seja no momento em que ele passou a cobrar reajustes diários e, vendo que o preço do barril estava subindo muito, poderia ter reavaliado a periodicidade dos aumentos. Acho que, nesse momento, faltou a ele um pouco de sensibilidade política. Mesmo assim, acho que não era função dele, mas do acionista majoritário que é o governo. O compromisso dele no início do governo Temer foi de recuperar a Petrobras, mas desde que lhe dessem condições. Enquanto deram as condições, ele cumpriu com a promessa e fez o melhor pela empresa.
E agora, como fica a imagem da Petrobras perante o mercado?
Acho que tem que esperar e ver o que vai acontecer. Já temos uma notícia boa, que é o fato de o governo escolher o Ivan Monteiro para presidir a Petrobras. Foi uma escolha excelente. Mostra que o governo vai dar continuidade à política do Parente, até porque Monteiro era diretor financeiro da gestão dele e foi o grande negociador da dívida da Petrobras. A escolha do Ivan Monteiro mostra que o governo utilizou critério técnico na definição do novo presidente, a exemplo do que aconteceu com Parente. Isso dá uma esperança de que, passada essa confusão toda, a gente possa voltar a um caminho melhor.
Entrevista publicada no Correio Braziliense em 06/06/2018.
Fonte: Correio Braziliense